Em 19 de setembro de 1985, foi ao ar na TV japonesa o episódio 44 de Hokuto no Ken, um animê que adaptava um popular mangá seriado na Shonen Jump.

Nesse episódio, Kenshiro e Raoh disputam entre si para serem o herdeiro escolhido de uma poderosa técnica de batalha. Kenshiro demonstra como eliminar sua sede de sangue e assim se aproximar de um imenso animal sem lhe alertar a atenção, fazendo dele um assassino mais eficiente; Raoh e Kenshiro discutem a filosofia do “poder”, de que ele serve e para que o obter, com opiniões contrastantes; e Rei se sacrifica para permitir que sua irmã mais nova possa levar uma vida normal.

Em 11 de setembro de 2025, quase que exatamente 40 anos depois, estreará nos cinemas brasileiros o longa-metragem Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba — Castelo Infinito, um animê que adapta um popular mangá seriado na Shonen Jump.

Nesse filme, dois espadachins disputam entre si para serem o herdeiro escolhido de uma poderosa técnica de batalha. O pai de um dos personagens demonstra como eliminar sua sede de sangue e assim se aproximar de um imenso animal sem lhe alertar a atenção, fazendo dele um assassino mais eficiente; a batalha final envolve uma discussão sobre a filosofia do “poder”, de que ele serve e para que o obter, com opiniões contrastantes; e uma espadachim se sacrifica para permitir que sua irmã mais nova possa levar uma vida normal.

Eu não traço esses paralelos com o objetivo de criticar Demon Slayer, ainda que seja curiosa a quantidade de coincidências deste filme inteiro com um único episódio de 25 minutos de quatro décadas atrás. Mais do que isso, é uma maneira de mostrar como o tema central de “herança” é algo que permeia tanto a estrutura do filme quanto os embates que ele se propõe a mostrar.

Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba — Castelo Infinito retoma a ação exatamente de onde a série parou, com o grupo de caçadores de demônios jogados em uma dimensão escheriana, repleta de salas e torres de arquitetura japonesa, repleta de onis e da perigosa elite das Luas Supremas.

É o ambiente propício para espalhar os heróis sem se preocupar muito com a topologia do local, e também para ilustrar as lutas com pilastras e pisos quebrados, relativamente livres de restrições arquitetônicas. A Toei Company tem suas pedreiras de tokusatsu; Koyoharu Gotouge tem portas de correr e janelas de papel.

Não é exagero dizer que este é o Vingadores: Ultimato de ‘Kimetsu’, a culminação de dezenas de tramas, rixas e enredos trabalhados ao longo dos últimos cinco anos de animê, culminando numa sequência espetacular de batalhas. Mas ‘Kimetsu’ não se deixa cair no lugar-comum da “batalha em nome da justiça”, e como em todo bom animê, torna suas lutas mais pessoais e íntimas.

imagem: pôster brasileiro de Demon Slayer Castelo Infinito

Imagem: Divulgação/Crunchyroll/Aniplex

Aqui, a palavra de lei é a “herança” — você é o que recebe dos seus pais e irmãos, e o que faz com aquilo que recebe. A coragem de uma irmã, as expectativas de uma mãe, a força de um pai adotivo, a admiração de um irmão, o sacrifício de um veterano, a perseverança de uma amiga.

Assim como o próprio ‘Kimetsu’ herda ideias, temas e chavões de obras anteriores, seus personagens são descritos e compostos por suas relações com seus predecessores, e pelo jeito como utilizam o que recebeu. O grande antagonista do filme, por sua vez, é alguém que se recusa a receber as suas “heranças” devidas das pessoas ao seu redor, para não carregar o fardo da dor de as ter perdido.

É um ótimo conceito. O grande problema é que todo esse passado é transmitido ao espectador na forma de sequências de flashback gigantescas, repetitivas e mal-enjambradas no enredo.

Não há o que reclamar do estúdio ufotable, desempenhando a mesma arte técnica de sempre no complexo storyboarding de sequências de luta, da composição de belíssimos cenários 3D com personagens 2D, da fotografia inspirada pela iluminação de lanternas e de poderes.

A trilha sonora, composta pela lendária Yuki Kajiura e por Go Shiina, continua variada e interessante, ainda que mal-utilizada pelo editor, que largou alguns longos silêncios ao longo do filme sem motivo aparente. A dublagem brasileira continua decente, com destaque para a atuação excepcional de Tatiane Keplmeir como Shinobu Kocho, e para a carismática voz de Dláigelles Silva como Inosuke Hashibira, que arrancou risadas da plateia em cada uma de suas breves aparições.

Por outro lado, ao sair da cabine de imprensa do filme, só consegui ouvir e ver espectadores embasbacados com as decisões de enredo. Não que flashbacks sejam novidade na série (ou em vários outros animês modernos), mas a utilização deste recurso em Castelo Infinito é especialmente agressiva.

Os três filmes anteriores (incluindo as compilações) de Demon Slayer são arcos fechados, e os flashbacks servem para pontuar o ritmo de construção, clímax e epílogo. Mas Castelo Infinito é uma trilogia, e nenhum esforço foi feito para ajustar a ordem de acontecimentos em relação à publicação do mangá: eles apenas cortaram o arco em três e tocaram a bola para frente. Um flashback está inclusive completamente deslocado, pois está relacionado a uma luta que ainda não acabou. Outra luta utiliza três flashbacks sobre o mesmo exato assunto que poderiam muito bem ser condensados em um só. O clímax do filme é sucedido por um flashback de quarenta minutos.

É possível que o projeto tenha começado como uma série de TV (onde isso não seria um problema) e só então partido para uma trilogia de filmes. A julgar por sua bilheteria — Castelo Infinito é a maior bilheteria de 2025 no Japão até o momento — é uma decisão que deu muito certo, mas acarretou numa experiência de retrogosto frustrante, amargo, insalubre.

Por falar em bilheteria, é quase compreensível a classificação indicativa de 18 anos. A cada 10-15 minutos, o público é apresentado a cenas tão violentas, tão traumáticas, tão sádicas, que faz a morte do Ace em One Piece parecer um quadro do Globo Rural. É facada no olho, gente fatiada em três, punho atravessando face, massacre sanguinolento, zumbi com costela e tripa para fora, gente bebendo sangue, cabeça cortada, demônio devorando cadáver, dedo na cavidade ocular e muitas, muitas cabeças rolando, de humanos, demônios e até de animais. É um pesadelo constante que explicita os riscos que Tanjiro e os outros caçadores estão correndo, mas pode muito bem chocar crianças menores.

Por outro lado, eu era da geração que terminava de assistir TV CRUJ e já emendava o Aqui Agora do Gil Gomes. E eu cresci normal. A criançada aguenta assistir Demon Slayer sem se traumatizar, sim.


Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba – Castelo Infinito estreia dia 11 de setembro nos cinemas de todo o país.


O texto presente é de responsabilidade de seu autor e não reflete necessariamente a opinião do site JBox. O JBox foi à pré-estreia do filme a convite da Crunchyroll.


Siga e acompanhe as notícias do JBox também pelo Google News e em nosso grupo no Telegram.



from JBox https://ift.tt/abztMqi
via CineLive365