
John Wick, filme de 2014 dirigido por Chad Stahelski e David Leitch, com Keanu Reeves no papel de um assassino aposentado que precisa voltar ao jogo, se tornou um fenômeno cultural. Além de um punhado de continuações em spin-offs, o longa rendeu uma série de “cópias”, que ou seguiam o mesmo estilo de filmar ação de maneira mais estilosa estabelecida nele, mas com histórias diferentes, ou com sinopses bem parecidas que mudam apenas alguns pontos aqui e ali.
Desse segundo caso, dá para apontar os nortes usados nos roteiros: geralmente, um cara mais velho com um passado violento no crime, que foi muito bom no que fez, mas por algum motivo decidiu deixar isso para trás e viver uma vida mais serena, talvez em casal, em família. Contudo, algo acontece, de modo que esse passado retorna à sua vida, e ele precisa voltar a agir violentamente, mostrando que, mesmo mais velho, ainda tem todo esse talento.
Pense em filmes como Anônimo, de 2021, Pig, também de 2021, Passado Violento, de 2022, ou Noite Infeliz, daquele mesmo ano. Se trouxermos esse conceito para o mundo de mangás e animês, temos então Sakamoto Days. O mangá vem sendo publicado pela Weekly Shonen Jump desde 2020, e até então rendeu 21 volumes. Aqui no Brasil, o gibi é lançado pela Panini.
Na trama, acompanhamos Taro Sakamoto, um ex-assassino profissional extremamente talentoso que abandonou a vida de perigos ao se apaixonar. Agora, ele toca sua vida de casado, com uma filha, chefiando uma loja de conveniências e servindo como um “faz tudo” no bairro. Porém, como era de se esperar, essa aposentadoria não seria bem aceita pelos chefões de tal universo de crimes. Então, um deles envia o Shin Asakura, um telepata com a habilidade de ler as mentes daqueles que estão próximos, para executá-lo. Só que o garoto tem uma enorme admiração pelo seu alvo, e decide se juntar a Sakamoto e sua família na loja. Juntos, eles lidam com os problemas do dia a dia, além de liquidar eventuais perigos que aparecem ao redor.
Imagem: Reprodução/Netflix
Comentei em 2023 num texto aqui para o site que Sakamoto Days era a melhor “cópia de John Wick” da atualidade, e isso segue agora com a o lançamento do animê. O roteiro utiliza as mesmas batidas do longa-metragem: apresenta uma realidade à margem do público geral, recheada de bandidos bastante específicos, alegóricos, diferentes entre si; nos coloca uma motivação na vida real à qual o protagonista quer defender, com sua família, sua loja e suas utilidades na vizinhança; e não poupa nas cenas de ação e violência quando ele precisa mostrar os talentos como matador, que já nem mata mais, pois isso é uma regra da família.
O que diferencia o Sakamoto Days desses filmes mencionados é que ele consegue mandar bem não só nessas partes de drama e ação, mas quebrar as pernas da expectativa com segmentos e gags de humor. É que a trama toda parece mais empenhada em construir uma paródia leve desses clichês recentes do que, de fato, só replicar eles. E agora em animê, essa veia cômica consegue ser ainda ampliada.
Uma das piadas recorrentes mais divertidas é a de o Sakamoto, frequentemente, assassinar o Asakura em seus pensamentos. Só que como o cara consegue visualizar o que está na cabeça dos outros, o autor retrata isso em cenas mais fantasiosas para nos enganar. Outra é a do protagonista ter uma personalidade extremamente fechada, praticamente não falar. E aí, em dado momento, quando ele é mostrado de um jeito mais expansivo, falante, tagarela até, a virada de mesa que ocorre em seguida é uma besteira legal demais.
Imagem: Reprodução/Netflix
É divertido ver como esse mundo paralelo de assassinos é construído, com cada um desses personagens trazendo uma personalidade e um visual interessantes. Há uma influencia meio JoJo, com pessoas que claramente são esteticamente destacadas da multidão, tornando ainda mais engraçado a interação delas com os outros. Para nós, que estamos assistindo, é óbvio que são assassinos com técnicas mirabolantes. Mas dentro da trama, eles conseguem surpreender os outros ao redor, sendo tão absurdo quanto hilário de ver.
Também é divertido ver como a história gosta de brincar com conceitos mais clássicos de filmes de ação através de seus personagens. Por exemplo, a chinesa Lu Shaotang, uma “princesa” da máfia que também abandona essa vida para trabalhar em paz na loja do Sakamoto, me parece uma homenagem ao filme O Mestre Invencível, onde o protagonista, vivido pelo Jackie Chan, se torna mais habilidoso quando está… bêbado.
O Heisuke Mashimo parece construído, em parte, através daquele conceito muito utilizado de personagem sniper, que calha de servir como suporte em trabalhos de equipe nos filmes e séries desse tipo. A dupla Boiled e Obiguro parece inspirada nos personagens Léon e Mathilda vividos por Jean Reno e Natalie Portman no filme Léon, O Profissional, de 1994. E as referências seguem conforme os episódios passam.
Para além das cenas de ação divertidas, daquele universo misterioso e imersivo, e das esquetes de humor engraçadas, Sakamoto Days, assim como John Wick e suas demais cópias, consegue nos despertar questionamentos interessantes acerca da vida aqui fora da tela. Em um mundo onde muitas vezes nos é dito que violência é sinônimo de masculinidade e de força, é bacana acompanhar o desenvolvimento de um personagem cuja felicidade real só chegou quando ele resolveu abdicar de toda essa violência, toda a postura de malvadão badass, para viver uma vida simples, como um vendedor gordinho e gente boa com sua esposa e filha.
Pois ser “cool”, para o Sakamoto, não é quando ele precisa voltar a ser violento, e sim em sua vida pedestre em busca da paz para ele e para as pessoas ao seu redor.
A parte 1 da 1ª temporada do animê de Sakamoto Days tem 11 episódios e é uma produção do estúdio TMS Entertainment, com direção de Masaki Watanabe, roteiro de Taku Kishimoto e distribuição pela Netflix. A dublagem brasileira foi feita no estúdio VSI Vox Mundi, em São Paulo, com direção de dublagem do Diego Marques, tradução do Marvin Silva, adaptação da Laura Beatrice e mixagem do João Victor. A 2ª parte estreia em 14 de julho.
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