
A mangaká Haru Akiyama é um nome um tanto importante quando se trata dos mangás que abordam romances entre mulheres. Talvez ela não seja o maior expoente do yuri atualmente ou não seja tão conhecida quanto deveria, mas é um dos nomes que “estava lá quando pouca gente estava”.
Seu mangá mais famoso é provavelmente a obra Octave, história com um clima melancólico e agridoce, publicado em 2008 — época em que algumas das leitoras mais velhas de yuri talvez chamem de “tempo das vacas magras”. Mesmo assim, Akiyama entregou um romance com muitas características interessantes. Por esse motivo, neste Dia do Orgulho LGBT+, vamos falar um pouco mais sobre Haru Akiyama e suas obras que não hesitam em retratar temas por vezes complexos e quase polêmicos.
Suzume Suzunari. | Imagem: Reprodução
Haru Akiyama é uma mangaká, assim como várias outras, sobre a qual não temos muitas informações além de suas obras. Tudo o que ela conta em seu site oficial é que nasceu em 1978, em Chiba, mas que agora vive em Tóquio; que seu lanche favorito é alga marinha; e que ela gosta de ler mangá enquanto bebe álcool.
A estreia de Akiyama no mundo dos mangás não foi com uma obra yuri, mas sim uma comédia chamada Suzume Suzunari (2005-2006), que contava a história de várias pessoas de idades e gêneros diferentes morando debaixo do mesmo teto. Dois anos depois, ela publica seu primeiro e mais famoso yuri, Octave (2008).
Octave é uma de suas obras mais longas, contando com 36 capítulos compilados em 6 volumes, e talvez a mais ousada. A história gira em torno Yukino Miyashita, uma ex-idol que aos 18 anos está tentando se tornar uma talent manager. Yukino mora sozinha em Tóquio e lá ela conhece Setsuko, uma compositora que compõe músicas anonimamente para artistas. O romance entre as duas começa e a partir de seu envolvimento com Setsuko, Yukino começa a reavaliar sua própria vida.
Octave. | Imagem: Reprodução
A sinopse de Octave parece mais um “garota conhece garota comum”, mas existem muitos detalhes pequenos interessantes nessa obra. Setsuko, o par romântico da protagonista, é uma garota bastante confiante e decidida, mas mesmo ela também tem fragilidades e momentos em que fica confusa, embora a admiração gigantesca que Yukino tem por Setsuko a impeça de enxergar isso.
Setsuko também é bastante bem-resolvida com qualquer questão sexual ou de sexualidade. Num dos primeiros capítulos do mangá ela diz que quando segurou uma mulher nua nos braços pela primeira vez, sentiu uma eletricidade passando por seu corpo. E que não é que ela odeie o pênis de um homem, ela só não gosta porque não encontra paixão nenhuma ali. Setsuko já se deitou com um homem antes, mas ela sabe que gosta de garotas e as outras pessoas sabem disso também. Isso é tão claro que outra personagem chega a se referir a ela como alguém que não é “normal”.
Enquanto isso, Yukino, a protagonista, é bastante frágil e fica o tempo todo às voltas com sua época de idol e seu grupo que não vendeu o bastante e foi descontinuado. Ela é muito jovem e conhece muito pouco sobre si mesma. Yukino pensa nos fracassos, nos desejos que tinha, nas dificuldades que enfrenta agora, mas o que ela realmente quer, isso ela não sabe. Trata-se de uma garota que parece um pouco perdida e está confusa mental, emocional e sexualmente.
Octave. | Imagem: Reprodução
Yukino não tem experiência sexual, a primeira e única pessoa com quem se relacionou é Setsuko, e parece ter um certo desconforto ao pensar sobre sexo com homens. Mesmo nunca tendo se relacionado com um, ela desgosta até mesmo da ideia de Setsuko já ter dormido com um homem. Toda imagem que Yukino tem de si mesma numa relação sexual parece meio esquisita pra ela, a princípio até mesmo com Setsuko, mas principalmente com homens. Yukino não é apenas sexualmente confusa, ela é confusa em relação ao sexo e às próprias práticas sexuais. A questão da descoberta e compreensão do sexo e da sexualidade por parte Yukino é algo muito presente em Octave.
Além disso, Yukino também não cuida muito bem de si mesma, às vezes ela é ingênua, outras vezes ela parece se autopunir… Grande parte do clima melancólico de Octave se deve a essa personalidade da protagonista — às vezes irritante, algo que pode levar o leitor a desgostar dela, mas que também é um tanto complexa.
Enquanto Yukino e Setsuko se relacionam, o mangá vai perpassando por várias questões: a relação esquisita de Yukino com homens; a relação de Setsuko com sua família no interior devido ela gostar de mulheres; a indústria de filmes adultos; e até mesmo traição. As duas últimas são talvez as mais interessantes.
Octave. | Imagem: Reprodução
Uma amiga de Yukino do antigo grupo idol, Nao, se torna atriz de filmes adultos. Apesar de toda a conversa sobre sexo desenvolvida nessa cena ser chocante pra Yukino, que não tem nenhuma experiência sobre sexo exceto com Setsuko, a questão toda é mais o sexo em si e menos o fato de Nao ser uma atriz pornô. A maneira que Akiyama constrói a narrativa de Nao não tem um teor moralista. Só é um fato concreto que Nao é uma atriz de filmes adultos agora e essa foi a maneira que ela encontrou para seguir carreira em uma indústria do entretenimento.
Quanto à traição, ela não aparece apenas em Octave, mas também em outra obra da autora, Iberis no Hanayome (2021). O modo que Haru Akiyama aborda a traição é curioso porque a autora consegue tanto transformar isso num elemento que têm efeito concreto na narrativa, quanto o momento que a traição é descoberta gera uma cena de tensão que por vezes funciona como um ponto de esclarecimento entre as personagens.
Iberis no Hanayome. | Imagem: Reprodução
Em Octave, Yukino não se sente apenas mal por trair Setsuko, não é apenas remorso. Ela percebe que detesta se deitar com um homem, que acha isso desconfortável, e quando Setsuko descobre é um dos momentos que a personagem diz mais claramente que ama Yukino. Enfim a protagonista entende uma coisa que Setsuko disse no início da história, algo que ela e sua cabeça confusa ficaram remoendo um milhão de vezes.
Já em Iberis no Hanayome — história que conta o romance de Mitsuki, uma organizadora de casamentos que está noiva, mas não parece ansiosa para seu próprio casório, e Tsuzuki, uma noiva que terá o casamento organizado por Mitsuki — a traição é o desaguar da tensão entre as duas protagonistas e o momento que Mitsuki enfim têm o estalo sobre os sentimentos que têm por Tsuzuki.
Esse mangá apresenta não apenas uma protagonista que está num relacionamento de anos e, embora seja uma organizadora de casamentos, parece não conseguir ver a si mesma como noiva, como também uma coprotagonista sedutora e envolvente que vive um relacionamento poliamoroso.
Tsuzuki namora dois homens ao mesmo tempo e suas visões de amor são cinematograficamente românticas — “o amor é algo que chega de uma vez e não tem como impedir” — e zero egoicas. Ela não entende o ciúme ou por que deveria sentir raiva se seu parceiro tiver outra namorada. Para Tsuzuki, ela vai se relacionar com quantas pessoas for capaz de se apaixonar, independentemente de como as encontre, quem elas sejam ou o gênero que elas tenham.
Watashi no Blue Garnet. | Imagem: Reprodução
Iberis no Hanayome é outra história de Akiyama com um final um tanto agridoce, narrando o processo de autoconhecimento de Mitsuki a partir de seu encontro com a encantadora Tsuzuki. Nesse mangá Akiyama discorre sobre o que é o amor, quantas pessoas é possível amar e onde assumir seus próprios sentimentos pode te levar.
Inclusive, “até onde se pode ir por amor” é tema também de Watashi no Blue Garnet, que está em publicação desde 2023. Nessa história Kon Inami, uma mulher de 24 anos que está tentando incessantemente e falhando miseravelmente em encontrar um novo emprego depois de ter trabalho numa empresa abusiva, encontra Ai, uma garota que tem a personalidade bem diferente da ansiosa Kon e que está em busca de sua namorada. Juntas, elas saem à procura da namorada desaparecida de Ai.
Watashi no Blue Garnet conta atualmente com nove capítulos publicados, mas os mistérios que envolvem Ai e sua namorada desaparecida e a personalidade ansiosa de Kon geradas por sua dificuldade de se encaixar socialmente, além das críticas duras que recebe da própria mãe, parecem a receita perfeita para mais um bom drama de Haru Akiyama. A autora se mostra pronta para abordar mais uma vez a melancolia, as complexidades da personalidade humana e, desta vez, o suicídio.
Watashi no Blue Garnet. | Imagem: Reprodução
Ao observarmos os três mangás longos de Haru Akiyama — Octave, Iberis no Hanayome e Watashi no Blue Garnet — é possível perceber que em todos eles a autora não foge de representar a vida, os pensamentos e os sentimentos complexos ou mesmo confusos das pessoas. Akiyama escreve histórias majoritariamente sobre mulheres já na vida adulta, abrindo mão da temática colegial tão comum em tantos gêneros diferentes de mangá, focando-se principalmente em histórias mais maduras e dramáticas, sem medo de tratar temas que vão gerar passagens tristes nas narrativas.
Os finais agridoces e menos “fechados” das obras de Haru Akiyama tornam ela uma ótima adição ao nicho de autoras de yuri. Ao tratar de narrativas sobre autoconhecimento, confusão emocional, descobertas da própria sexualidade e outros temas, Akiyama mostra que histórias de romance entre mulheres não precisam terminar sempre num “felizes para sempre” nem serem recheadas de uma tristeza aterradora. É possível navegar tranquilamente entre a felicidade efusiva e a tristeza completa e construir narrativas complexas que contêm o doce e o amargo, como a própria vida.
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